Cotorinho - um recanto Transmontano em Belas
Belas é uma das vilas mais surpreendentes da malha urbana de Lisboa. Pelo menos, para mim, tem sido uma surpresa descobrir os seus encantos.
Há uns dias atrás descobri uma quinta ao pé da igreja, a Quinta Nova da Assunção, que além de ter uma dimensão considerável de jardins para passear, também tem uma zona para pic-nics que me fez logo sonhar em tardes de domingo à sombra das árvores centenárias que rodeiam esse parque e claro, petiscar em cima de uma toalha vermelha aos quadradinhos. O palacete, apesar de fechado, é magnífico. Perdidos pelos quatro cantos da quinta, encontramos painéis de azulejos pintados com animais e figuras exóticas, as sebes verdes e alguma parte do jardim vão sendo mantidos e em certas partes quase que nos sentimos num labirinto, sempre a descobrir novos recantos sem saber bem onde estamos.
Após esta visita e uma passagem rápida pelos fofos de Belas (fui só confirmar que continuavam bons), bastou descer um pouco dessa avenida principal e vimos uma esplanada, bem cuidada e apetitosa para um final de tarde de imperiais e petisco. "Cotorinho", que nome engraçado!
A esplanada tem aqueles detalhes que nos fazem perceber de imediato que foi imaginada com cuidado: esplanada aberta mas que pode fechar para dias menos quentes, mesas e cadeiras bonitas, duas mesas feitas com paletes para grupos maiores. As paredes estão decoradas com heras, um cantinho mais natural e muito agradável de se estar.
O espaço lá dentro é relativamente pequeno, o que o torna bastante acolhedor. A casa onde construíram este restaurante é de traça antiga, na zona mesmo central e mais velha de Belas, esta foi toda remodelada e felizmente deixaram alguns traços da casa anterior. Alguns detalhes de pedra na parede, para lembrar como eram construídas antigamente, uma harmonia perfeita e a respeitar a história de outros tempos. São detalhes, mas são tão bonitos.
Mal sabia eu que o Cotorinho tem também uma história tão bonita. O Chef André Teixeira, responsável pela cozinha e dono deste espaço incrível, contou-nos com tal entusiasmo como o restaurante nasceu: o nome do espaço é uma homenagem aos membros da sua família, que para ele "são tudo". Cotorinho é um pequeno lugar na zona de Vila Real, a terra onde a sua família tem origem e também onde passou grandes temporadas da sua infância. Em Trás-os-Montes a boa comida é obrigatória e a arte de bem comer se exige. Todos os vinhos do Cotorinho são dessa zona e todos os pratos têm, de alguma forma ou de outra, o toque transmontano. A estrela da casa é, sem dúvida alguma, a Francesinha à Moda de Vila Real. É importante frisar a sua origem, porque ela é mesmo muito diferente das francesinhas de outras zonas. Como o próprio chef avisa: ou se ama, ou se odeia. Nós amámos, mas já vamos lá.
Sentámo-nos cá fora, não por uma questão de segurança mas porque nestes dias de verão é perfeito e todas as mesas, incluindo lá dentro, têm distância e estão impecáveis.
Começámos pelas entradas: dois croquetes acompanhados com mostarda e um pão de alho com queijo para partilhar. Todos nós sabemos que a Francesinha é um prato leve e o melhor seria não exagerar nas entradas... Mas digo-vos já que foi muito dificil manter a compostura com este pão de alho. Eu ficava ali, a noite toda com ele e imperiais! Mas, havia francesinhas para experimentar. E ainda bem!
Quando passámos ao verdadeiro ex-líbris do Cotorinho foi um misto de confusão e curiosidade. O molho é completamente líquido, nada a ver com o molho à moda do Porto. Quase que parece um caldo derramado por cima daquela sandes deliciosa cheia de coisas que nos fazem atingir o pico de colesterol num minuto. O sabor do caldo? Não consigo sequer explicar. Fiquei desde a primeira dentada até ao final a tentar perceber o que era "aquele sabor" sem conseguir perceber. Na minha família temos uma receita de molho de francesinha e habitualmente já consigo perceber os sabores... Se tem mais cerveja, se tem apenas carne ou também marisco... Mas aqui: zero. Não percebi e não identifiquei nada. Era só bom, delicioso, muito mas muito diferente. E penso que aqui, no molho, é que está a questão do amor-ódio. O meu esposo estava delirante, a adorar este molho que se entranhava facilmente no pão. Eu, estava a amar o sabor especial que este molho tem, intrigada mas feliz. Quem vai à espera de um molho à moda do Porto e não for "preparado" para esta diferença, pode não gostar, claro. Mas ainda bem que todos somos diferentes!
A parte que a meu ver se destacou mais (mais ainda!) foi a "sandes" em si. Nunca, mas nunca mesmo, tinha comido uma carne tão tenra dentro de uma francesinha. O bife era relativamente alto para uma sandes deste estilo, quase que a tocar o limite do possível para uma sandes poder ser cortada convenientemente, estava incrível. Nenhum enchido se destacava demasiado ao ponto de esconder o sabor dos outros: fiambre, mortadela e linguiça fresca.
Além das francesinhas ditas normais, ficou na minha wishlist provar a vegetariana... E toda a carta do restaurante.
Para terminar, apesar da limitação a nível do meu espaço interior, não podia sair dali sem provar uma sobremesa... Ai eu não me chamo LM Maria!!! Queria muito todas as sobremesas ao mesmo tempo (porque a gula é sempre maior que o estômago), mas acabámos por provar um género de um bolo de chocolate fresco com camadas de nata, estava simplesmente fresco e delicioso. Fez nos lembrar uma vianeta em formato de bolo. Muito bom mesmo e perfeito para uma sobremesa mais leve.
Ao escolher a francesinha como refeição, era humanamente impossível provar fosse o que fosse dos outros pratos da carta. Mas a minha curiosidade com os bifes e hamburgueres, após vários relatos da qualidade destes meninos, faz com que tenha de voltar muito em breve. E após esta primeira visita, ficou muito, mas mesmo muito claro que todos os pratos são de uma qualidade superior. E perguntam porquê? Porque o Chef André é apaixonado por este projeto. Não só dá logo para o perceber quando ele fala no conceito da casa, como a própria forma como descreve os pratos, os fornecedores, onde foi buscar as batatas, onde vai buscar a carne, os legumes... Tudo! Ouvi-lo dá mesmo muito gosto e muita vontade de voltar, para partilharmos esta paixão pela comida que nos é tão em comum.
Estou muito feliz com estas descobertas em Belas. Fico mesmo entusiasmada de ter encontrado estes refúgios perfeitos, mesmo ao lado de casa.
Ah! E como cereja no topo do bolo: tem Uber Eats e Too Good To go!